sábado, 15 de outubro de 2011

Mãe

Mãe, no outro dia abri uma caixa velha e vi o que escreveu num postal de parabéns para mim. Fartei-me de chorar. A vida é curta e quando é cheia de curvas leva-se tempo a alcançar paz. Quando às vezes deambulo pela casa, a lavá-la, a arranjar a roupa, a pensar no comer, e em todas as necessidades das minhas filhas, recordo-a ainda nova, com um sorriso muito bonito e ....do tanto que fazia.
Teho que repetir que muitos gritos, guerras e algumas "tragédias" aconteciam naquela casa. Sobreudo muitos gritos. E choro. De todos.
Foi difícil.
Para o pai embora árduo, era mais lenear. Arranjar-se, estar bem de saúde e ir trabalhar fora. A mãe ficava. Era a casa, a comida, estender, apanhar, lavar, passar, arrumar, descer escadas, subir, descer, descer, abrir a porta, tocaram à campainha, o telefone, "ó Nita, que me faltam fósforos e puré", a cera, toda a loiça lavada à mão. E, no silêncio raro, enquanto quase todos, estavam fora, era sentar e respirar um pouco, ler as Selecções, ou uma revistita, ou um livro, mas o olhar depois perdia-se no que era preciso para o jantar. E, a "luz da escada não acende, e o autoclismo não funciona, e é preciso regar o quintal, e vê lá o cão é preciso dar-lhe de comer, e é preciso comprar chapéu de palha à Nita, e um casaco à Cecília, e a bata para a Fátima, e uns sapatos para o Zé, e as Vicentinas, e, onde ponho aquela a estudar, que não cosegue com o barulho cá de casa, e a vizinha que não se dá comigo, e a outra que se quer dar, mas eu tenho vergonha de a receber, porque nunca estou arranjada, e a tia Joceline que eu adoro, mas que não posso estar tanto tempo com ela a telefone, e a pobre da Maria dos Anjos com tantos filhos, tenho que lhe ir levar qualquer coisa, e a minha filha que está triste, e, a minha mãe que nunca soube mostrar amor, e o meu pai a quem adoro, que está sempre do lado dela, e estas minhas dores de cabeça, todo o dia, todos os dias"

E aguentou tudo. E mais fez. Que estas minúsculas linhas não contam. Os filhos, a gravidez, ir para o estrangeiro, a lucidez do que falhava. E tudo por tudo, tentar fazer. Com as netas também.

Só uma mulher extraordinária pode ser assim. Obrigada mãe por me ter tido e criado e mostrado muito caminhos. E me ter dado tantas vezes o seu colo. Ainda hoje. Tenho muito medo que ele me falte.
Ó mãe.....

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Pai

Hoje dou por mim a imaginar como conseguia dar dinheiro sózinho para atodos nós. Nenhum trabalhava, todos estudámos, como é que um homem só, conseguiu dar conta do recado? Os médicos, as operações, as roupas, a comida, os transportes, tanta coisa. Hoje entendo muito bem.
Porque foram raras as férias. Porque herdei tanta coisa dos meus irmãos. Porque não houve o chamado, actividades extracurriculares, embora as mais velhas ainda tivessem tido, ténis, natação e ballet. O Zé ainda teve os escuteiros e uma moto e eu ainda tive as guias.
Percebo , julgo eu , a vesícula que não funcionava aos fins de semana. Não era agradável, havia sempre gritos e tensão. Mas, pondo-me agora no seu lugar aqueles dois dias deviam parecer-lhe um desperdício face ao que tinha que ganhar.
Ainda foram os livros de Medicina, as cadieras ergonómicas, os auscultadores para as mais velhas. Os mais novos eram mais humildes. Mesmo assim, ainda me pergunto como foi possível.
Não recebíamos quase ninguém em casa , era certo. Os pais nada gastavam consigo. Nada. Era a pouca roupa que vestiam, sempre estimada e, nem idas ao cinema , nem nada.

Mas, ainda me lembro que quase todos os fins de semana tínhamos um passeio saloio, até de carro quando o comprou e, almoçavamos fora, sobretudo no Inatel ou no Matadi. Íamos à missa, tínhamos modista. E o Pai guiava tão bem.

Mesmo assim pergunto-me , como dava?

Comíamos bifes, pescada fresca e fruta e tudo do melhor.

Como dava?

Só com muitos empregos, com serviço de 8 anos feitos em África, o que permitiu aqduirir uma vivenda e pagá-la a pronto, muitas viagens a estaleiros no estrangeiro, viagens presidencias. Mais o emprego de professor na escola Naval. Mais o de consultor na Insulana. E ainda pertencer à Marinha de guerra. Também tínhamos a mercearia e roupa da Manutenção Militar.

A casa foi degradando-se porque não havia dinheiro para mantê-la. Nós só tivemos que estudar.

O que é certo é que, naquela época, o pai teve que ser um homem extraordinário. E é.